"Estamos reinventando o futuro, somos fragmentos do futuro em gestação, e o que mais nós necessitamos é de um público co-produtor, partícipe da cena, que leve para casa as idéias que o Teatro sempre soube tão bem insuflar nos espíritos educados para que estes possam contribuir para as transformações necessárias que nossa sociedade tem urgência de ver realizadas"

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Falhando melhor com Beckett.

As minhas rugas ‘absurdamente’ se interligam as linhas de minha mão.
São meus traços em sintonia.
As pernas estáticas, as falanges enrijecidas, a ponta do pé a pique.
As palavras me passando e as minhas rugas respondendo.
A garganta seca e os joelhos calibrados.
Não.
A garganta calibrada e os joelhos secos.
Não.
Ora um. Ora o outro.
Uma faca se sobressai em meu peito.
“Tente de novo. Falhe de novo. Falhe melhor”. (BECKETT, Samuel)
As falanges enrijecidas e as luzes a derramar encantos.
Os pulmões saltando, os olhos dilatados, a tensão do Agora. Ou não.
Os ouvidos com o tato.
A pele e a música.
São meus traços em sinfonia.
Os ombros bem postados, a roca voz do além.
O Paranaguá em público.
E as mãos em uma inquietante e inevitável expressão.
O desentendido ficando pelo mal dito.
E ao redor, o insistente som apavora o remoto prazer existencial.
Eyes up. E a viagem começa.
Então tudo se liga.
As luzes cósmicas, o texto a bradar, o ruído peculiar,
meus joelhos calibrados e a Aurora Boreal. 
O foco desmanchando.
Sua vez.
Minha vez.
Nossa vez.
Não.
Ora o um. Ora os dois. Ora todos.
Passaram-se três dias.
A cintura destravou. O cabide se estendeu. E a luz não apagou.
Lá? Assim? Como? Por quê?
“A arte sempre foi isto- interrogação pura, questão retórica sem a retórica – embora se diga que aparece pela realidade social”. (BECKETT, Samuel)
Um drama estático.
As meias, os sapatos e as calças.
Um casaco, uma boina e um cachecol.
Todos flutuando.
E as linhas de minha mão, pouco a pouco, vão solidificando-se nesse ‘absurdo teatral’.
Até aqui.


Epílogo.
Sem Godot, restara-nos o autor.
Enfim.

TEXTO: Victor Silper
FOTO: Davi Marcos