"Estamos reinventando o futuro, somos fragmentos do futuro em gestação, e o que mais nós necessitamos é de um público co-produtor, partícipe da cena, que leve para casa as idéias que o Teatro sempre soube tão bem insuflar nos espíritos educados para que estes possam contribuir para as transformações necessárias que nossa sociedade tem urgência de ver realizadas"

terça-feira, 12 de novembro de 2013

CENA ABERTA EM MOVIMENTO: HOMENAGEM AO DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA

O Cena Aberta depois de passar pelo “Outubro Vermelho” de 2013, prova de fogo dos atuadores da “cena em movimento”, em que esteve presente nos principais eventos realizados pela cidade e outro estado brasileiro, como 7a. Felis - Feira de Livro de São Luís, IX FESTMAR - Festival Internacional de Teatro de Rua de Aracati - CE., VIII Aldeia Guajajaras de Artes - SESC e no Casarão das Artes - LABORARTE,  apresentando Negro Cosme em Movimento,bem como, leituras dramatizada - Banquete Tupinambá, do amazonense Francisco Carlos  e teatralizada - O homem como invenção de si mesmo, do maranhense Ferreira Gullar, entra em novembro, fazendo homenagem aos “negros mortos” nas lutas pela liberdade.
O texto é do dramaturgo maranhense Igor Nascimento, que em parceria com a pesquisa do Cena Aberta sobre a temática afrodescendente, escreveu Caras Pretas, e que o grupo intitulou até o momento de Negro Cosme em Movimento, pois pretende assim destacar o ilustre maranhense, Bento Cosme das Chagas, Tutor e Imperador da Liberdade, em que esta atividade faz parte do projeto de extensão da PROEX-UFMA - Memória e Encenação em Movimento: ABC da Cultura Maranhense. Estimular os discentes do Curso de Licenciatura em Teatro da UFMA à pesquisa e extensão, é o principal objetivo do projeto do grupo.
No Prólogo do texto, o autor diz: “O que vai se passar nesta peça tem tiro, sangue e brutalidade. No entanto, a voz que vai ser falada e a lágrima que vai ser chorada são as do outro lado, aquele que ficou adormecido no tempo, e sobre o qual, a história passou por cima, olhando apenas por detrás do ombro, como quem olha de passagem. Portanto, como verossimilhança, pra mim, é conversa muito da torta e a história pro teatro é pouco e a verdade pro palco é demais, vamos escolher aqui o meio termo, pra não queimar os miolos: Apresentamos aqui uma história verdadeira, só que fictícia, ou melhor, uma história ficcionalmente verdadeira!”
Nesta citação, o autor se apresenta, é um narrador onisciente e consciente dos objetivos que pretende alcançar com sua escritura dramática, focando a Trilogia da Balaiada: eclosão da revolta com a Invasão da Cadeia da Vila da Manga de Iguará, em dezembro de 1830, pelo vaqueiro piauiense Raimundo Gomes, semelhante a um rastilho de pólvora, que levantou os excluídos do Maranhão, engrossando as fileiras do levante popular. Sabendo do descontentamento geral do povo, o vaqueiro revolucionário, percorrendo as trilhas do sertão maranhense, que tão bem conhecia, provoca o medo das classes privilegiadas maranhenses e a imediata reação do Imperador D. Pedro II, entrando na Maioridade, enviando então para a Província, o estrategista Luís Alves de Lima e Silva - cognominado como “pacificador de revoltas”.
A segunda estação inicia com seu clímax, em que os revoltosos invadem Caxias, segunda cidade mais importante da economia maranhense, e o sufocamento da revolta pelo Pacificador. Na terceira estação, epílogo, Negro Cosme depois de lutar bravamente é rendido, preso e enforcado em praça pública, para ficar o exemplo, para todos os que transgredissem os limites da tolerância do Poder, visando o bom viver, é claro, de uma minoria seleta, incluindo o poder político conservador e uma boa parcela dos liberais. No processo revolucionário as traições fazem parte do menu daqueles que não tem objetivos claros, isto é, diretamente ligados às classes menos favorecidas.
Enfim, novembro dedicado aos “mortos”, porque o Epílogo entre Negro Cosme e Duque de Caxias, é um “diálogo entre mortos”, com as apresentações agendadas do Cena Aberta. Dia 12, no Teatro Alcione Nazareth, fazendo parte do projeto LUARTE; 14 na Faculdade de Santa Fé - Anilt; 22 no LABORARTE, dedicado ao Dia Nacional da Consciência Negra e 27 no IV Fórum de Extensão da UFMA. E como último fôlego para o este produtivo ano, a leitura teatralizada de O homem como invenção de si mesmo, de Ferreira Gullar, no dia 05 de dezembro, parceria com o PGCULT-UFMA.
Concluímos com nossa Homenagem a todos que lutam pela igualdade de direitos e justiça social: “Os que estão mortos nunca se foram/ Eles estão na sombra que se aclara/ E na sombra que se espessa./Os mortos não estão sob a terra;/ Eles estão na árvore que se agita,/ Eles estão no tronco que geme,/ Eles estão na água que corre,/ Eles estão na cabana, estão na multidão;/ Os mortos não estão mortos”. Do senegalês Birago Diop


FOTOS: Paulo Socha

FICHA TÉCNICA:

Negro Cosme - Tiago Andrade/ Duque de Caxias - Victor Silper/ Atores-Escravos - Nosira e Luiz Pazzini/ Texto - Igor Nascimento/ Iluminação - Wagner Heineck/ Direção - Luiz Pazzini/ Produção - Cena Aberta. CONTATOS: (98) 9613-4187/ (98) 3221-0873 (Luiz Pazzini)/ (98) 8226-3501 (Victor Silper)/ E.mail: cenaberta1@hotmail.com                 .

terça-feira, 5 de novembro de 2013

DRAMATURGIA MARANHENSE DA DÉCADA DE SETENTA: ABC da Cultura Maranhense, de Aldo Leite

A escritura dramática do texto ABC da Cultura Maranhense, de Aldo Leite, retrata tanto na forma como no conteúdo, um momento difícil/cruel da política brasileira – a ditadura militar. Período em que os artistas faziam uso de metáforas poéticas, para driblar a censura. O autor buscará inspiração no Período Imperial Brasileiro, nos materiais de poetas, jornalista-historiador e dramaturgos, como Gonçalves Dias, Maria Firmina dos Reis, João Francisco Lisboa, Arthur Azevedo e outros, o mote para a sua primeira obra. Neste sentido, realiza um resgate da memória histórica de sua terra natal, ampliando para a situação brasileira.
A forma encontrada pelo artista para explicitar o estado de paralisia, estupefação e medo, em que viveu o povo brasileiro, foi o “drama estático”. Este, é inaugurado pelo tragediógrafo grego Ésquilo, em que as caracterizações de suas personagens são realizadas com largos traços, sem multiplicidade de sutis qualificações, e abundantes metáforas. Seus primeiros trabalhos são comparados à hieraticidade das estátuas arcaicas, com os membros rígidos e semblante sorridente e pétreo. Primeiro dramaturgo a introduzir na cena a aparição de fantasmas, como é o caso de Dario, rei morto, em Os Persas e a assassinada Clitemnestra que aterroriza seu filho matricida Orestes, em as Eumênides. Neste sentido, dá-se início ao “diálogo com os mortos”. Mas convém explicitar que já nos primórdios do teatro primitivo, os fantasmas já se faziam presentes nos rituais.
O caráter estático e hierático da encenação grega, com seus altos coturnos e suas máscaras que despersonalizavam os atores, davam um tom ritualístico ao espetáculo. No Egito, por ocasião dos rituais à deusa da fertilidade Osíris, esta, transformada em “escultura móvel”; na Grécia, temos as “estatuas móveis” de Dédalos, muito semelhante à mobilidade dos humanos; na Roma Imperial, as representações eram realizadas com pequenas estatuetas movidas por fios em festins, mas foi na Idade Média, que surgiu a palavra “marionnette”, derivação francesa, para designar as pequenas imagens da Virgem Maria, que passa de estátua de adoração dos fiéis à personagem animada em presépios. Não resta dúvida que a marionete entrou na cena teatral mundial para deixar sua marca da busca pelo sagrado, pelo divino.
Mas o leitor pode estar se perguntando o por quê deste mergulho nas origens da marionete. Pois bem, Aldo Leite, no seu texto cria bustos de personagens históricos da cultura maranhense, que durante a representação adquirem movimentos. Na própria abertura do texto, existe uma cena, em que um Secretário da Cultura, está inaugurando o busto do pseudo-intelectual Camilo Calazans, na Pç. do Pantheon - Centro de São Luís, onde estavam as estátuas dos ilustres maranhenses, retiradas porque as mesmas foram depredadas, pichadas, etc. O Secretário inaugura o busto e apresenta todas as Secretarias da Cultura criadas em seu governo. Enfim, figuras marionetadas pela sua administração.
Mas continuemos. Os estudiosos do teatro não estranham quando teóricos do teatro, como Maurice Maeterlinck, na segunda metade do século XIX, defenderá em seus escritos, a teoria do Teatro de Andróides, em substituição aos atores, com seus “egos inflados”, que deve ser contido na obra de arte, porque impedem a mostração do divino. Teoria esta que encontrará em Edward Gordon Craig, no início do século XX, o seu mais ardoroso defensor, com a sua Teoria da Supermarionete. Critica ele o egocentrismo dos atores, a sua vaidade, proclamando o surgimento de um novo ator, desprovido da exacerbação do ego, buscando o resgate da divindade sem apossar-se dela. A Biomecânica de Meyerhold busca o ator marionetizado, a imobilidade na representação, desprovendo o ator de sua humanidade, na busca da perfeição para apresentar a obra de arte. Kleist, cria em seu ensaio, em um diálogo imaginário com um famoso bailarino que encontra em uma praça, que fala do ego dos atores, e que isto, os impede de manifestar o divino em sua essência. Faz apelo aos atores, de que estes precisam observar a linha natural do movimento, e assim captar a sua essência e servi-la, não esvaziando assim o seu significado. Neste sentido, restitui-se a intuição do ator, fazendo com que este perceba que é apenas um servidor de uma força maior. Tadeus Kantor, em seus espetáculos busca clarificar esses conceitos, solicitando a ausência do humano para manifestar o elemento mágico. A desumanização dos atores irá lhes conferir um valor imagético mais forte, revestindo-os com uma sacralidade de morte simbólica. Estes teóricos buscavam o sonho de Aneantização: redução do intérprete ao nada frente à efíngie do personagem; a organização da ação cênica sobre modelos mecânicos e plásticos.
Depois deste passeio por esta síntese do desenvolvimento da marionete durante os séculos, mais uma coincidência teatral salta aos olhos, quando no mesmo período histórico, na década de setenta, Aldo Leite e Heiner Müller, este último tendo como orientação para a sua escritura dramática, a Nona Tese (Anjo da História), in Sobre os Conceitos de Filosofia da História, de Walter Benjamin. O dramaturgo alemão, colocará em cena, o horror nazista e a ditadura do stalinismo, através de uma obra intitulada Der Auftrag (A Missão ou Lembranças de uma Revolução), em que lança seu olhar para a América Latina, dizendo ser esta “tumores benignos”. Aldo Leite, fazendo uso do recurso dramatúrgico do fragmento, denominado por Müller de “Poética Dialética do Fragmento” e no “diálogo com os mortos” benjaminiano, que faz parte de uma de suas teses – a “história a contrapelo”. 
O ABC da Cultura Maranhense, em sincronia com o movimento de resistência dos intelectuais e artistas do Brasil e do mundo, resgatam nossa memória histórica, e na forma, explicitam a própria história do teatro. No texto de Aldo Leite, são colocados em debate, questões pendentes e presentes na atualidade, no que se refere à política e ao teatro.
Os pensadores e fazedores do teatro, buscam no século XXI, veredas para chegarem ao seu público, trazê-lo de volta para comungar junto de uma nova era do teatro: que precisará ser construída, buscando no seu passado histórico, as “centelhas de esperança” de um “novo por-vir”, mas também na própria construção periodística, rica e diversificada da cena teatral mundial.
O texto de Aldo Leite é para mim um desafio impar na minha vida de pensador e fazedor de teatro - uma relíquia da dramaturgia maranhense, por tudo que expusemos acima. Como diz João Francisco Lisboa, o Tímon: “É sempre o mesmo teatro com guarda-roupa e cenário novo, e com repertório retocado e acomodado ao gosto dos tempos”, pois, “Os corações ulcerados, como arpas eólias feridas pelos ventos, precisam exalar em gemidos a sua dor”.

                                                                                                                                                           

TEXTO: Luiz Pazzini

DIA NACIONAL DA CONCIÊNCIA NEGRA/2013

CENA DO JULGAMENTO


ABERTURA


ANJO INFELIZ: Sou o Anjo Infeliz. Atrás de mim a rebentação do passado despeja cascalho sobre as minhas asas e sobre os meus ombros, com o ruído de tambores enterrados. Enquanto diante de mim, se acumula o futuro, que me esmaga os olhos fazendo saltar as minhas pupilas como uma estrela. Transformando as minhas palavras numa mordaça sonora. Sufocando a minha respiração. Por um momento ainda vejo o bater das minhas asas e escuto o ruído do cascalho caindo a minha frente, sobre, atrás de mim, ainda mais alto, quanto mais me exaspera o inútil movimento interrompido, quando eu fico mais vagaroso. Então, o instante se fecha sobre mim mesmo rapidamente encoberto eu, o Anjo Infeliz entro em repouso. Meu vôo, meu olhar e meu suspiro são de pedra. Espero a História. Até que eu retome o batimento de minhas asas, que se comunica em ondas à pedra e indica que vou alçar vôo.


NEGRO COSME – Sr. General, Duque de Caxias, eu sei que nós, os colonizados, não podemos nos emancipar a não ser por meio da violência e através do imaginário. Eu sempre soube que só se pode pensar a partir das minorias. No meu tempo, da Balaiada, nós éramos uma minoria, que aos poucos crescia a olhos vistos, e isto amedrontou o Poder. Também sabemos que é somente à margem que ainda se pensa, pois é unicamente a partir dela que ainda há movimento. Quem ainda grita são apenas as minorias. A maioria não tem mais necessidade disso. As necessidades desta maioria estão todas satisfeitas. Restam a elas atropelarem as minorias, antes que estas cresçam tanto que se igualem em força e a derrube de uma vez por todas. Eu também sei que, nossos nomes não constarão nos livros escolares, porque existe a regra cruel de que exterminando as minorias, extermina-se as biografias. Estas são minoria, assim como cada indivíduo, na medida em que permanece sozinho, assim como eu, que aqui estou, constitui uma minoria. Vocês estão testando a tecnologia para nos exterminar. Também prevejo que introduzirão ela na vida cotidiana, buscando a tecnicização da vida. Mas, toda tentativa de aceleração total encontrará nas minorias seu principal adversário. Isso porque as minorias representam sempre algo autônomo, que barrará o caminho da aceleração. Nós somos freios. Por isso, vocês querem aniquilar-nos, pois nós insistimos em manter a nossa própria velocidade. Pode ser que o meu lugar seja na forca e talvez a corda já esteja à volta do meu pescoço enquanto falo com você, impossibilitado de qualquer defesa, senhor General. A miséria de vocês é que não sabem morrer. Por isso matam tudo ao redor de vocês. Pelas vossas regras mortas, nas quais o êxtase não tem lugar. Pela vossa revolução sem sexo Os mortos combaterão quando os vivos não puderem mais. Mas, a revolta dos mortos será a guerra da paisagem. Nossas armas as florestas, as montanhas, os mares, os desertos do mundo. Eu serei floresta, montanha, mar, deserto. Eu, isto é, África. Eu, isto é Ásia, as duas Américas sou eu. NINGUÉM PODE MATAR O DESEJO DE FELICIDADE DOS HOMENS E DAS MULHERES.


DUQUE DE CAXIAS - EXECUTE O RÉU! 


CORO DOS ESCRAVOS - Seremos sempre eternos escravos? Vejam só como erigem monumentos em honra de si próprios, estampando na pedra as suas próprias vítimas tão prontas a falar quanto a calar: impotentes e tristes testemunhas assim expostas pelo vencedor para representarem os humilhados, os esquecidos, por determinação do vencedor tanto querendo falar quanto querendo calar!
Os que estão mortos nunca se foram
Eles estão na sombra que se aclara
E na sombra que se espessa.
Os mortos não estão sob a terra;
Eles estão na árvore que se agita,
Eles estão no tronco que geme,
Eles estão na água que corre,
Eles estão na cabana, estão na multidão;
Os mortos não estão mortos.
NINGUÉM PODE MATAR O DESEJO DE FELICIDADE DOS HOMENS E DAS MULHERES! A MENTE, ESTA SIM, NINGUÉM PODE ESCRAVIZAR! 

Colagem de fragmentos de textos de Heiner Müller, Bertolt Brecht, Maria Firmina dos Reis e Birago Diop, realizado por Luiz Pazzini. 

FOTO 1: Casa Nhozinho
FOTO 2: Igor Nascimento
FOTO 3: Paulo Socha
FOTO 4: FESTMAR