"Estamos reinventando o futuro, somos fragmentos do futuro em gestação, e o que mais nós necessitamos é de um público co-produtor, partícipe da cena, que leve para casa as idéias que o Teatro sempre soube tão bem insuflar nos espíritos educados para que estes possam contribuir para as transformações necessárias que nossa sociedade tem urgência de ver realizadas"

terça-feira, 5 de novembro de 2013

DIA NACIONAL DA CONCIÊNCIA NEGRA/2013

CENA DO JULGAMENTO


ABERTURA


ANJO INFELIZ: Sou o Anjo Infeliz. Atrás de mim a rebentação do passado despeja cascalho sobre as minhas asas e sobre os meus ombros, com o ruído de tambores enterrados. Enquanto diante de mim, se acumula o futuro, que me esmaga os olhos fazendo saltar as minhas pupilas como uma estrela. Transformando as minhas palavras numa mordaça sonora. Sufocando a minha respiração. Por um momento ainda vejo o bater das minhas asas e escuto o ruído do cascalho caindo a minha frente, sobre, atrás de mim, ainda mais alto, quanto mais me exaspera o inútil movimento interrompido, quando eu fico mais vagaroso. Então, o instante se fecha sobre mim mesmo rapidamente encoberto eu, o Anjo Infeliz entro em repouso. Meu vôo, meu olhar e meu suspiro são de pedra. Espero a História. Até que eu retome o batimento de minhas asas, que se comunica em ondas à pedra e indica que vou alçar vôo.


NEGRO COSME – Sr. General, Duque de Caxias, eu sei que nós, os colonizados, não podemos nos emancipar a não ser por meio da violência e através do imaginário. Eu sempre soube que só se pode pensar a partir das minorias. No meu tempo, da Balaiada, nós éramos uma minoria, que aos poucos crescia a olhos vistos, e isto amedrontou o Poder. Também sabemos que é somente à margem que ainda se pensa, pois é unicamente a partir dela que ainda há movimento. Quem ainda grita são apenas as minorias. A maioria não tem mais necessidade disso. As necessidades desta maioria estão todas satisfeitas. Restam a elas atropelarem as minorias, antes que estas cresçam tanto que se igualem em força e a derrube de uma vez por todas. Eu também sei que, nossos nomes não constarão nos livros escolares, porque existe a regra cruel de que exterminando as minorias, extermina-se as biografias. Estas são minoria, assim como cada indivíduo, na medida em que permanece sozinho, assim como eu, que aqui estou, constitui uma minoria. Vocês estão testando a tecnologia para nos exterminar. Também prevejo que introduzirão ela na vida cotidiana, buscando a tecnicização da vida. Mas, toda tentativa de aceleração total encontrará nas minorias seu principal adversário. Isso porque as minorias representam sempre algo autônomo, que barrará o caminho da aceleração. Nós somos freios. Por isso, vocês querem aniquilar-nos, pois nós insistimos em manter a nossa própria velocidade. Pode ser que o meu lugar seja na forca e talvez a corda já esteja à volta do meu pescoço enquanto falo com você, impossibilitado de qualquer defesa, senhor General. A miséria de vocês é que não sabem morrer. Por isso matam tudo ao redor de vocês. Pelas vossas regras mortas, nas quais o êxtase não tem lugar. Pela vossa revolução sem sexo Os mortos combaterão quando os vivos não puderem mais. Mas, a revolta dos mortos será a guerra da paisagem. Nossas armas as florestas, as montanhas, os mares, os desertos do mundo. Eu serei floresta, montanha, mar, deserto. Eu, isto é, África. Eu, isto é Ásia, as duas Américas sou eu. NINGUÉM PODE MATAR O DESEJO DE FELICIDADE DOS HOMENS E DAS MULHERES.


DUQUE DE CAXIAS - EXECUTE O RÉU! 


CORO DOS ESCRAVOS - Seremos sempre eternos escravos? Vejam só como erigem monumentos em honra de si próprios, estampando na pedra as suas próprias vítimas tão prontas a falar quanto a calar: impotentes e tristes testemunhas assim expostas pelo vencedor para representarem os humilhados, os esquecidos, por determinação do vencedor tanto querendo falar quanto querendo calar!
Os que estão mortos nunca se foram
Eles estão na sombra que se aclara
E na sombra que se espessa.
Os mortos não estão sob a terra;
Eles estão na árvore que se agita,
Eles estão no tronco que geme,
Eles estão na água que corre,
Eles estão na cabana, estão na multidão;
Os mortos não estão mortos.
NINGUÉM PODE MATAR O DESEJO DE FELICIDADE DOS HOMENS E DAS MULHERES! A MENTE, ESTA SIM, NINGUÉM PODE ESCRAVIZAR! 

Colagem de fragmentos de textos de Heiner Müller, Bertolt Brecht, Maria Firmina dos Reis e Birago Diop, realizado por Luiz Pazzini. 

FOTO 1: Casa Nhozinho
FOTO 2: Igor Nascimento
FOTO 3: Paulo Socha
FOTO 4: FESTMAR 




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