Em cima do muro, olho os destroços e penso quanta dor está
debaixo do concreto revirado, desprezado, os detalhes estão preenchidos de
histórias de gente que luta, que é alienada, enganada, desprezada e ainda
acusada de ser o berço da violência. Porque gritar sem público através da
alegoria de um anjo? Em um lugar quase desabitado, sinto o cheiro e o gosto da
dor, do descaso, do cansaço do pobre, do preto, do puto, do miserável que
carrega nas costas esse país chamado Brasil.
Carrega o cimento, a areia
e o cal, para construir o prédio monumental, sustenta esse sistema bem e
seu filho se alimenta mal, convive com lixo e esgoto até o topo, mora perto da
vala que corre água rala, finge que não vê, para não esquecer do que
crê.Injustiça que soterra, afoga e cobra.História embaixo do lixo, do mijo, do
lodo, do pó, guardada em escombros humanos e reduzidas em um enorme monte de
nada, que grita em voz calada.
Em cima do muro, minhas pernas tremem minha boca seca, pois
onde ainda está habitado é mistura de alegria e medo, dor e calor, é samba e
funk, festa e sangue. Criança na rua até tarde, assim aprende malandragem,
malemolência, é inocência misturada a batida que toca e move cada um em sua
busca, pra frente ou pra trás, cada um sabe o que faz.
Controlo a emoção, que é de não compreensão, quem deve falar
é quem vive lá. Eu sinto, eu digo, acredito entender, mas não deve ser. É bala,
é pedra no fim do caminho...Ninho pelado
e desprotegido, gente por todo lado buscando abrigo, no peito de quem oferta,
traficante ou milícia, mas nunca polícia...
O Anjo Infeliz não consegue se debater porque aquilo tudo
foi o mais forte que pode ver, a altura também prejudica, mas o risco não era
nada comparado a essa vida. Luta de todo dia delas e deles reinventa o morro
com maestria e tem até gringo que copia, a criatividade na precariedade é assim
que segue a vida nessa outra cidade.
TEXTO: Lígia da Cruz
VIDEO: Davi Marcos
Nenhum comentário:
Postar um comentário