"Estamos reinventando o futuro, somos fragmentos do futuro em gestação, e o que mais nós necessitamos é de um público co-produtor, partícipe da cena, que leve para casa as idéias que o Teatro sempre soube tão bem insuflar nos espíritos educados para que estes possam contribuir para as transformações necessárias que nossa sociedade tem urgência de ver realizadas"

sábado, 14 de setembro de 2013

Em cima do muro

Em cima do muro, olho os destroços e penso quanta dor está debaixo do concreto revirado, desprezado, os detalhes estão preenchidos de histórias de gente que luta, que é alienada, enganada, desprezada e ainda acusada de ser o berço da violência. Porque gritar sem público através da alegoria de um anjo? Em um lugar quase desabitado, sinto o cheiro e o gosto da dor, do descaso, do cansaço do pobre, do preto, do puto, do miserável que carrega nas costas esse país chamado Brasil.
Carrega o cimento, a areia  e o cal, para construir o prédio monumental, sustenta esse sistema bem e seu filho se alimenta mal, convive com lixo e esgoto até o topo, mora perto da vala que corre água rala, finge que não vê, para não esquecer do que crê.Injustiça que soterra, afoga e cobra.História embaixo do lixo, do mijo, do lodo, do pó, guardada em escombros humanos e reduzidas em um enorme monte de nada, que grita em voz calada.   
Em cima do muro, minhas pernas tremem minha boca seca, pois onde ainda está habitado é mistura de alegria e medo, dor e calor, é samba e funk, festa e sangue. Criança na rua até tarde, assim aprende malandragem, malemolência, é inocência misturada a batida que toca e move cada um em sua busca, pra frente ou pra trás, cada um sabe o que faz.
Controlo a emoção, que é de não compreensão, quem deve falar é quem vive lá. Eu sinto, eu digo, acredito entender, mas não deve ser. É bala, é pedra  no fim do caminho...Ninho pelado e desprotegido, gente por todo lado buscando abrigo, no peito de quem oferta, traficante ou milícia, mas nunca polícia...

O Anjo Infeliz não consegue se debater porque aquilo tudo foi o mais forte que pode ver, a altura também prejudica, mas o risco não era nada comparado a essa vida. Luta de todo dia delas e deles reinventa o morro com maestria e tem até gringo que copia, a criatividade na precariedade é assim que segue a vida nessa outra cidade.


TEXTO: Lígia da Cruz
VIDEO: Davi Marcos

Nenhum comentário:

Postar um comentário