O projeto Memória e Encenação em Movimento: ABC da Cultura Maranhense, PROEX-
2013, da Universidade Federal do Maranhão, é a continuidade da pesquisa que
o grupo Cena Aberta desenvolve sobre a Balaiada desde 2005, iniciada com a
encenação Diálogos da Memória: Imperador
Jones (2007), projeto contemplado pelo edital Jovens Artistas-MEC (2006). O
objetivo central é estimular os discentes do Curso de Licenciatura em Teatro à
pesquisa e extensão.
A proposta da
encenação do espetáculo “Negro Cosme em
Movimento”, do dramaturgo maranhense Igor Nascimento, foi criada tendo como
metodologia, o trabalho em processo (work
in progress), em que foram realizadas experimentações dos fragmentos do
texto, que refletem a trilogia - Invasão da Cadeia da Vila da Manga de Iguará,
hoje Nina Rodrigues, a Tomada da Cidade de Caxias/Sufocamento da Revolta e Enforcamento
de Negro Cosme em Itapecuru Mirim.
O texto
trabalha com as personalidades históricas de uma das mais importantes revoltas
que aconteceu durante o Império Brasileiro, a Balaiada, ocorrida no Maranhão,
no período de 1838-1841. Neste sentido, o dramaturgo destaca Raimundo Gomes - cara
preta (o vaqueiro) da Primeira Estação, que liberta os presos da cadeia de Vl.
da Manga, fazendo eclodir a revolta que espalha como rastilho de pólvora pelo
sertão oriental maranhense, que chega até o Piauí.
A
seguir, destaca a presença de Cosme Bento das Chagas, vulgo Negro Cosme, que se
auto-intitulou Tutor Imperador da Liberdade, cearense de Sobral, líder do
Quilombo Lagoa Amarela, funda uma escola para os quilombolas, assume a revolta
com outros líderes da revolta. Os revoltosos invadem Caxias por duas vezes, e
são derrotados por Luis Alves Lima e Silva - Duque de Caxias. A última batalha
foi travada na localidade de Calabouço, onde Negro Cosme é derrotado com seu
exército de negros. Ficou preso na Cadeia de Itapecuru Mirim, e enforcado na Pç.
do Mercado Municipal.
O
texto instaura uma discussão sobre a dialética das ações do homem enquanto ente
político e social, apontando as contradições que são inerentes à luta não
apenas pelo poder, mas por justiça social e igualdade de direitos de uma sociedade
em transformação.
Na
tessitura da escritura dramática estas questões desenvolvem-se por meio da
fabula, não obstante há uma interdependência das cenas que não se encadeiam
linearmente, revelando uma hibridação de gêneros (aspectos épicos, líricos e dramáticos)
no cruzamento entre ficção e história, que apontam para o mote essencial desta
discussão, pois como diz o próprio autor como narrador - “... pois se a
história fosse sempre verdade, não carecia de ser chamada de história, e sim,
de verdade e ponto final”.
Destacamos
também o aspecto dramático, quando se defrontam no final, Duque de Caxias e
Negro Cosme, encontro que não aconteceu historicamente, mas utilizado como
liberdade poética do autor, para discutir através da linguagem metalingüística,
a responsabilidade das transformações sociais dos atores sociais (publico); dos
personagens históricos, e do compromisso do ator enquanto fisicalizador do
personagem-histórico, que impulsiona neste, uma ação consciente de mensageiro
no palco.
A
“encenação em movimento” terminologia adotada pelo Cena Aberta em seu processo
criador, não se fecha sobre si mesma, mesmo porque é enriquecida pelos aportes
teóricos dos estudos in continuum do
elenco, das re-elaborações do dramaturgo, da recepção co-produtora dos
espectadores e dos participantes da oficina performativa que são incluídos no
espetáculo juntamente com o elenco do Cena Aberta.
A
interpretação do elenco, ora tende ao épico, com a utilização do recurso do
distanciamento/comentário do ator, ora ao dramático, com o mergulho do mesmo,
nas subjetividades dos personagens-históricos centrais, principalmente no Duque
de Caxias e Negro Cosme, que trocam ferpas de agressividade irônica, fazendo
cada um se auto-analisar diante das suas atitudes dentro do processo histórico
revolucionário.
A
vela-cenário serve de elemento que impulsiona o ritualístico, o performático da
encenação, que em alguns momentos, o público também poderá entrar no jogo com
os atores. No ritual o Anjo Infeliz, com os escravos carregam a vela como fardo
da história da sua ancestralidade. Na seqüência, ela é aberta, como se tivesse
sendo desfraldada a bandeira da sua liberdade, que é a revolta pela sua própria
escravidão, mostrando o chão onde se dará também a representação, delimitando a
área de jogo dos atores.
Destacamos
em nossa pesquisa o “espaço cênico”, aglutinador e vetor transformador da
encenação. Foram realizadas experimentações nos espaços históricos da Balaiada,
em Caxias, no Memorial da Balaiada, num “espaço-rio”; circular na Praça do Mercado
Municipal de Itapecuru Mirim, onde Negro Cosme foi enforcado, iniciando na
Cadeia Pública, onde esteve preso, e em Nina Rodrigues, na Pç. Central da
cidade. Em Nina Rodrigues e Caxias foram realizadas oficinas com inclusão dos
participantes da mesma no espetáculo.
Nossa
concepção de teatro, neste momento histórico importante de nosso país, está pari passu com a “história a contrapelo”
de Walter Benjamin. O seu interlocutor, Heiner Müller, com seu “Anjo Infeliz”,
lança a todos nós o movimento que vêm das margens, que se direcionam às pedras,
que propõe retomar uma respiração que foi sufocada, e que impulsiona-nos ao vôo
sobre os escombros da história, para desenterramos as “centelhas de esperança”
que nos impulsionará à resignificação identitária de construtores de nossa própria
História. Este é o centro nevrálgico, incandescente e reflexivo do qual
apoiamos nossa proposta de encenação de NEGRO
COSME EM MOVIMENTO.
TEXTO: Luiz Pazzini
FOTO 1: Igor Nascimento
FOTO 2: Paulo Socha
FOTO 3: Davi Marcos
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