O que se
fala do tal de Cara-Preta dá pano pra manga que só o diabo. Uns dizem que ele
foi um sanguinário, um desordeiro, analfabeto, bandido, salteador, cangaceiro,
assassino, infame e daí pra pior. Outros já falam que Raimundo Gomes, o
Cara-Preta, era um libertário, revolucionário, justiceiro e até messias dos
escravos. O certo é que não importa o que ele seja aqui no presente, nada vai
mudar o que de fato ele foi, lá no passado. Pois para discorrer sobre o
ocorrido e escorrido incidente, só existem duas alternativas para nós que não
estávamos, por acaso, dando uma volta no Maranhão, em 1838: a história do
vencedor e a história do perdedor. E nenhuma das duas pode apurar o fato em sua
milimétrica fidelidade, pois, o que temos aqui é apenas a história e as suas
interpretações, que podem até serem bem acertadas, ou, como diz o doutor,
‘fidedignas’, mas, mesmo que chegue no detalhe da ruga presente no detalhe da
fuça, a história será, e sempre será, história, pois se a história fosse sempre
verdade, não carecia de ser chamada de história, e sim, de verdade e ponto
final.
Mas antes que tudo comece, é necessário esclarecer uma só
coisinha que me apoquenta o juízo: quem ganhou ficou no poder e, já estando por
lá, chegou da guerra falando só na vitória, que venceu, que estava certo e mais
um milhão de coisas; mas e quem perdeu? Quem perdeu não teve vida nem chance de
contar o acontecido tim tim por tim tim, detalhe por detalhe, esclarecendo
parte por parte do sucedido. Então, o que se sabe, até o presente momento, só é
uma versão (a do vencedor da batalha) e ainda falta metade do livro para
terminar de vez a leitura. Mas este equilíbrio entre as duas versões não é
possível, pois já seria demais pedir ao vencedor que dê a mão pro vencido, e ao
vencido que aceite o alento do vencedor, pondo pontos nos is e conferindo a
cada um sua merecida importância. Se fosse desse jeito, guerra virava amizade,
e quem nos dera que fosse nosso mundo assim!
Igor
Nascimento
FOTOS: Paulo Socha
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