"Estamos reinventando o futuro, somos fragmentos do futuro em gestação, e o que mais nós necessitamos é de um público co-produtor, partícipe da cena, que leve para casa as idéias que o Teatro sempre soube tão bem insuflar nos espíritos educados para que estes possam contribuir para as transformações necessárias que nossa sociedade tem urgência de ver realizadas"

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Linha Cruzada

O acaso não existe, para VII FELIS Feira do Livro de São Luís o Grupo Cena Aberta fez a leitura do texto de Ferreira Gullar “O homem como invenção de si mesmo”, monólogo existencial e metalinguístico com um toque de um divertido sarcasmo. Através da teoria de que o homem se inventa o personagem Vicenzo, compartilha com o público sua visão sobre o mundo atual e sua história, enquanto aguarda o telefonema de sua namorada Soninha que insiste em ignorá-lo. Dentre as diversas temáticas abordadas pelo texto, como teatro, artes plásticas, culto ao corpo, romance, sexo chega até a uma descrição do Banquete Antropofágico, ritual cultuado pelo índios Tupinambás brasileiros.
Em uma convergência do destino, fomos convidados pelo SESC para a leitura de um novo texto O Banquete Tupinambá que ocorrerá amanhã no teatro João do Vale as 19h, o texto de Francisco Carlos é uma alusão ao ritual antropofágico com inserção de questionamentos contemporâneos como forma de crítica ao comportamento do ser humano atual, através de alusões a sexualidade, rock and roll e cyber mídia, com a mediação do personagem Jaguar que representa o outro ou o “eu outro” considerando o ato de projeção, mecanismo de defesa, tão comumente utilizado pelo homem.

Antropofagia tupinambá



O missionário francês Jean de Léry, que viveu entre os Tupinambás no século XVI, na região onde hoje é o Rio de Janeiro, conta que assistiu a uma batalha envolvendo mais de quatro mil índios, todos nus, sem qualquer proteção no corpo. O embate foi numa praia e eles vinham berrando com uma ferocidade assustadora, brandindo seus tacapes e bordunas. O francês nunca esqueceu o espetáculo deslumbrante que foi aquela chuva de flechas enfeitadas de penas coloridas, os embates dos corpos e o sangue que jorrava. Finda a batalha, voltaram para a aldeia com alguns prisioneiros, que seriam depois mortos, assados no moquém e devorados por toda a tribo e mais os convidados das tribos amigas. O festim começava com o consumo de vasos e mais vasos de cauim, uma espécie de cachaça, servida pelas mulheres, que eram proibidas de beber. Bêbados e alucinados, eles corriam pela habitação e pelo terreiro da aldeia, dançando, gritando e comendo a carne do inimigo. Essa farra durava dias inteiros. Os guerreiros devoravam o inimigo por VINGANÇA, mas as velhas índias comiam porque adoravam carne humana. É conhecida a história de um missionário que deparou com uma velha índia em estado de extrema debilidade e lhe perguntou se ela queria alguns torrões de açúcar que ele trazia consigo. A velhinha respondeu: “AI, MEU NETINHO, A ÚNICA COISA QUE AGORA PODIA ABRIR MEU APETITE ERA A MÃOZINHA DE UM TAPUIA DE POUCA IDADE, TENRINHO, BEM MOQUEADA, PRA EU LHE CHUPAR AQUELES OSSINHOS”. Cunhambebe, o grande chefe guerreiro dos tupinambás, se gabava de ter provado da carne de cinco mil inimigos. Essa coisa de gente comer gente pode causar horror a nós, que só comemos outros animais. Mas se você pensa, como eu, que o homem se inventa, há de admitir que eles se inventaram guerreiros e o que preenchia sua vida era o ódio ao inimigo, ódio esse que nascia de qualquer coisa, como, por exemplo, de uma simples papagaio que um índio de outra tribo roubara. Comer o inimigo era mais que matá-lo, era rebaixá-lo ao nível de outros bichos que eles caçavam e comiam, uma anta, uma cotia;  e assim afirmavam sua superioridade. Por isso também o prisioneiro, quando chegava o dia de ser sacrificado, não se abatia e gritava: “MATEI E COMI MUITOS CHEFES DE VOCÊS. OS GUERREIROS DE MINHA TRIBO VÃO VIR AQUI MATAR E COMER VOCÊS.” A guerra era sua ocupação essencial, o que dava relevo e valor à vida. Quando uma tribo passava muito tempo sem guerrear, os índios velhos, que já não lutavam, acusavam os mais jovens de covardia. Apesar disso, os primeiros cronistas afirmavam que aqui era o Éden, o paraíso terrestre, onde todos viviam como Adão e Eva, antes de provarem da árvore do conhecimento. Uma coisa é verdade: os nossos índios só ouviram falar em pecado depois que chegaram aqui os jesuítas.
                                                                      O Homem como invenção de si mesmo, Ferreira Gullar





FOTOS: Doroti Martz - "O homem como invenção de si mesmo" VII Feira do Livro de São Luís

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