Em uma convergência do destino, fomos
convidados pelo SESC para a leitura de um novo texto O Banquete Tupinambá que
ocorrerá amanhã no teatro João do Vale as 19h, o texto de Francisco Carlos é
uma alusão ao ritual antropofágico com inserção de questionamentos contemporâneos
como forma de crítica ao comportamento do ser humano atual, através de alusões
a sexualidade, rock and roll e cyber mídia, com a mediação do personagem Jaguar
que representa o outro ou o “eu outro” considerando o ato de projeção,
mecanismo de defesa, tão comumente utilizado pelo homem.
Antropofagia
tupinambá
O missionário francês Jean de Léry, que
viveu entre os Tupinambás no século XVI, na região onde hoje é o Rio de
Janeiro, conta que assistiu a uma batalha envolvendo mais de quatro mil índios,
todos nus, sem qualquer proteção no corpo. O embate foi numa praia e eles
vinham berrando com uma ferocidade assustadora, brandindo seus tacapes e
bordunas. O francês nunca esqueceu o espetáculo deslumbrante que foi aquela
chuva de flechas enfeitadas de penas coloridas, os embates dos corpos e o
sangue que jorrava. Finda a batalha, voltaram para a aldeia com alguns
prisioneiros, que seriam depois mortos, assados no moquém e devorados por toda
a tribo e mais os convidados das tribos amigas. O festim começava com o consumo
de vasos e mais vasos de cauim, uma espécie de cachaça, servida pelas mulheres,
que eram proibidas de beber. Bêbados e alucinados, eles corriam pela habitação
e pelo terreiro da aldeia, dançando, gritando e comendo a carne do inimigo.
Essa farra durava dias inteiros. Os guerreiros devoravam o inimigo por VINGANÇA,
mas as velhas índias comiam porque adoravam carne humana. É conhecida a
história de um missionário que deparou com uma velha índia em estado de extrema
debilidade e lhe perguntou se ela queria alguns torrões de açúcar que ele
trazia consigo. A velhinha respondeu: “AI, MEU NETINHO, A ÚNICA COISA QUE AGORA
PODIA ABRIR MEU APETITE ERA A MÃOZINHA DE UM TAPUIA DE POUCA IDADE, TENRINHO,
BEM MOQUEADA, PRA EU LHE CHUPAR AQUELES OSSINHOS”. Cunhambebe, o grande chefe
guerreiro dos tupinambás, se gabava de ter provado da carne de cinco mil
inimigos. Essa coisa de gente comer gente pode causar horror a nós, que só
comemos outros animais. Mas se você pensa, como eu, que o homem se inventa, há
de admitir que eles se inventaram guerreiros e o que preenchia sua vida era o
ódio ao inimigo, ódio esse que nascia de qualquer coisa, como, por exemplo, de
uma simples papagaio que um índio de outra tribo roubara. Comer o inimigo era
mais que matá-lo, era rebaixá-lo ao nível de outros bichos que eles caçavam e
comiam, uma anta, uma cotia; e assim
afirmavam sua superioridade. Por isso também o prisioneiro, quando chegava o
dia de ser sacrificado, não se abatia e gritava: “MATEI E COMI MUITOS CHEFES DE
VOCÊS. OS GUERREIROS DE MINHA TRIBO VÃO VIR AQUI MATAR E COMER VOCÊS.” A guerra
era sua ocupação essencial, o que dava relevo e valor à vida. Quando uma tribo
passava muito tempo sem guerrear, os índios velhos, que já não lutavam,
acusavam os mais jovens de covardia. Apesar disso, os primeiros cronistas
afirmavam que aqui era o Éden, o paraíso terrestre, onde todos viviam como Adão
e Eva, antes de provarem da árvore do conhecimento. Uma coisa é verdade: os
nossos índios só ouviram falar em pecado depois que chegaram aqui os jesuítas.
O
Homem como invenção de si mesmo, Ferreira Gullar
FOTOS: Doroti Martz - "O homem como invenção de si mesmo" VII Feira do Livro de São Luís
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